EZEQUIAS MARQUES

Ator

“Tinha 10 anos quando cantei pela primeira vez e me fiz muito conhecido na minha terra. Tinha um fascínio tão grande pelo circo, que não havia uma Cia. que passasse por Passos, minha cidade natal, que eu não procurasse. Não perdia nada. Um belo dia de domingo, cheguei perto de um ator e disse que queria entrar para aquela Cia. de Circo e cantei para ele a "Amapola". Ele chorava, abraçando-me tanto que eu, muito baixinho, esbarrava meu rosto em seu cinto. Disse-me para avisar ao meu pai e, se ele deixasse, me levaria junto com a Cia. que partiria no dia seguinte. Corri para a loja de meu pai e perguntei se podia ir embora com o pessoal do circo. Meu pai era comerciante e estava muito ocupado com o trabalho e disse: - já vai tarde. Então, fui para o meu quarto, selecionei algumas roupinhas, um bodoque, um retrato de Nossa Senhora e coloquei tudo dentro de um baú. No dia seguinte cedinho, vesti o melhor terninho e fui para a praça, onde havia o último caminhão do circo saindo. Subi lá em cima e fiquei, sem nem dar satisfação a ninguém. Estava feliz da vida, porque ia dar um jeito de realizar o meu grande sonho. O rapaz que estava na direção começou a me dizer que gostava muito de mim, que eu era muito educado, que minha voz era bela e que eu seria um grande ator, mas não naquele momento, porque tinha que terminar a escola, ler muito, ser culto e inteligente para fazer teatro. Eu insistia, dizendo que eu já lia muito e que meu pai tinha deixado. Vi que caía uma lágrima do rosto dele. O zelador da Igreja de Nossa Senhora da Penha me reconheceu, achou aquilo esquisito e avisou ao papai.

Daí a pouco ele chegou, desceu-me do caminhão, puxou as minhas orelhas e foi me levando embora. Por mais que o homem do caminhão tentasse convencê-lo de que iam me levar de volta para casa e que o circo era uma família, meu pai chamava-o de ladrão de crianças e levou-me dali para casa e lá me deu outra coça. Acho que parei de crescer ali, de tanto que apanhei. Daí é que a gente vê que tem que dar atenção e conversar direito e, como no meu caso, por mais que fosse absurdo, passou. Este foi o primeiro epsódio da minha carreira: a fuga com o circo. Daí em diante, por ter uma belíssima voz, era muito solicitado para cantar nas casas. O Odilon Azevedo, marido da Dulcina, era de Santa Rita de Cássia e o pai dele me ouviu cantar e foi falar para o meu pai que era preciso mandar-me para Belo Horizonte. Então, vim estudar no Colégio Arnaldo, onde fiz muito teatro e era conhecido como o tenorinho do Colégio Arnaldo. Ali, foi o lugar onde se acendeu o grande holofote da minha carreira. Fiquei muito popular aqui na cidade, a ponto de o Diário Católico publicar que eu iria cantar na missa das nove de domingo no Colégio. Era a atração. Era cantor, coroinha e considerado o gênio do Colégio Arnaldo. Servi até de modelo para aquela escultura do Padre, feita pela Cida Marques de Souza. Quando terminei o colégio, contrariando aos que achavam que seria doutor em Direito, disse que queria ser ator. Então, fiz muito teatro, várias peças e fui para a Rádio Mineira. Depois, voltei para minha terra, onde conheci a minha esposa. Muitas vezes, ia lhe dar a comunhão e batia a hóstia em seu queixo. O padre me xingava, mas ele mal sabia porque é que eu fazia aquilo. Mais tarde, voltei para BH, prestei concurso para o Banco da Lavoura e passei. Junto ao trabalho no banco frequentava a Rádio Guarani, onde conheci vários cantores e atores, dentre eles, o Pedro Vargas, que louco por sua voz, fui estudar canto com a Nair Geolas. Antes disso, trabalhei com o F. Andrade, um dos precurssores do teatro em Belo Horizonte. Ele tinha um grupo e um teatro. Cantei muito e participei pela primeira vez fazendo o teatro falado, com papéis adaptados ao meu "physique du róle". Aí comecei a trabalhar com rádioteatro. Um dia, uma comissão de moças foi me procurar para fazer um teste no Sesi. Fui, passei e me convidaram para fazer "O Avarento" de Moliere, com o papel título, dirigido por João Ceschiatti, no Teatro Francisco Nunes. Foi quando comecei a fazer teatro profissionalmente em Belo Horizonte. Por coincidência, estava aqui a Cia. da Madame Morineau, que era uma artista francesa que veio para dirigir um grupo de teatro e foi assistir ao ensaio geral da peça. Ela me acompanhava com os olhos e fazia uma cara que achava estar fazendo tudo errado. No final, ela veio me abraçar encantada, tornando-se minha amiga e mestra. Daí, fiz várias peças, até que fui para o Rio de Janeiro. A Dulcina veio aqui e li que ela tinha feito uma escola de teatro no Rio. Implorei-lhe para estudar na escola. Morei lá solteiro por um tempo e depois quando consegui estudar, levei a família. No final do curso estive entre os melhores. Fiz uma peça chamada "Guerras do Alecrim e da Manjerona", com a qual ganhei meu primeiro prêmio de ator revelação, em 1957. Sou o único ator mineiro premiado no Teatro Nacional de Comédia. Fui trabalhando, até que alguém me conheceu e comecei a trabalhar na TV Tupi, onde fiquei por 10 anos. Depois disso, voltei para Belo Horizonte e continuei fazendo peças. Acho que nestes 70 anos de teatro devo ter feito umas 40. Com o espetáculo "O Bravo Soldado Shueik", há 10 anos, ganhei o Prêmio Cauê de melhor ator aqui em BH. A última peça de teatro que fiz foi "A Secreta Obscenidade de Cada Dia", em 1992, com o Luciano Luppi, direção do Wilson Oliveira e produção do anjo da minha vida, o Pedro Paulo Cava. Em cinema fiz cerca de 8 filmes, dentre eles o "Bang Bang", que era considerado de vanguarda na época. Hoje tenho tido muitos convites para trabalhar, mas estou com 80 anos e a idade é um pouco ingrata.

ESCOLA - Agora está uma maravilha, pois nós temos o teatro na universidade. Isso é tudo. Nos igualamos ao médico, ao advogado, ao engenheiro, dentro das devidas proporções, é claro. O teatro está com técnica, conhecimento e com a mesma dignidade que um engenheiro possui ao construir uma ponte, com a grandeza dos grandes estudiosos e posso dizer que é também gerador de vida. Nós podemos educar o mundo com o teatro. Por que é que na Grécia antiga se fazia teatro e suas peças perduram até hoje?


O TEATRO - Se nós tivéssemos autores conscientizados com o que é escrever a vida, o teatro se encarregaria de salvaguardar qualquer distúrbio da pessoa humana sobre todos os aspectos: histórico, político, social, esportivo, artístico, enfim, todas as áreas em que a pessoa humana se debate. O teatro pode dar uma bela lição de vivência. É uma escola insubstituível. É a vida humana.

RECADO - De mãos dadas nós abraçaremos o mundo.Vá ao teatro, não perca o teatro e leia teatro."

Coxia
Entrevista