RONALDO BOSCHI

Diretor, ator e professor de teatro

"Minha história começa no meu bairro, onde tinha um grupo de teatro que se chamava Lords Teatro. Começamos fazendo a peça "A Carteira Fatal". Tinha 15 anos e me atrevi a fazer a assistência de direção, além de trabalhar no elenco.




Depois comecei a estudar na Escola de Tradutores e Intérpretes de Minas Gerais-ETIMG, onde montamos um grupo que estreou o espetáculo "Babel", já com minha direção. Inclusive, nós ganhamos tanto dinheiro na época que não conseguimos gastar. Ficamos impressionados, porque o espetáculo, que foi no Teatro Imprensa Oficial, funcionou demais. Meu primeiro trabalho como ator, mais profissionalizado, foi com o diretor Helvécio Ferreira, que hoje mora no Rio. Fizemos "O Soldado e o Sacristão". Depois fui para o Teatro Universitário-TU e fiz um ano de curso. Mas a escola barrou minha matrícula no segundo ano, por já estar dirigindo fora do TU e isso não podia. Nessa época, já fazia aula de dança com o grupo da Dulce Beltrão e da Sílvia Calvo no Ana Pavlova. Fui aprender a fazer coreografia para o meu teatro, porque chamava os coreógrafos e eles não conseguiam casar a minha linguagem com a da dança que eu queria para o meu espetáculo. Acabei me tornando bailarino e fiquei por 18 anos dançando com o grupo do Ana Pavlova. Eu era péssimo, mas mesmo assim, era um dos poucos homens que dançavam em Belo Horizonte. Acabei tendo a sorte de dançar com grandes bailarinas: Sílvia Calvo, Nádia Luz, Suzana Mafra e Graziela Rodrigues. Quando a Betina Belomo chegou em Belo Horizonte, vi como eu era ruim e, então, resolvi parar. Ficaram as fotos, que são bonitas. Em 1972 fui para Londres, onde fiquei por um ano. Cheguei com algumas cartas de recomendação do professor Paula Lima e fui procurar algumas escolas de teatro. Consegui trabalhar em um grupo de dança, onde acabei virando o primeiro bailarino, pois o pessoal era pior do que eu. Depois fui para uma escola de teatro chamada Studio Sixty Nine, que era dirigida por Robert Handerson. Ele teve que viajar e me deixou coordenando o grupo, enquanto ele fazia um filme na África. Aí comecei fazendo coreografia, depois virei assistente de direção e, quando ele voltou, percebeu que estava faltando a personagem central da história. Então, de última hora, me convidou para fazer o primeiro papel. Em Londres, fiz também um curso de inglês e depois fui para a Itália, França e voltei ao Brasil, mas já com a idéia de fundar o Centro de Pesquisas Teatrais-CPT, fundado em 1973. O CPT funcionava na rua Carangola, número 44 e era uma escola muito legal. Consegui mantê-la por cinco anos. Para se ter uma idéia, nos dois primeiros anos, trabalhava fora para fazer a escola funcionar e do terceiro em diante já rendia por si mesma. Fizemos mais de 150 espetáculos. Trabalhava com gente que nunca tinha feito teatro e, paralelamente, tinha o meu grupo que produzia espetáculos profissionais, com atores mais conhecidos. Trabalhei com Edel Mascarenhas, Wilma Henriques e Wilma Patrícia, Ezequias Marques, Pedro Paulo Cava, Joaquim Costa, Raul Belém Machado e por aí vai. Com a escola funcionando, o nosso objetivo era buscar esses autores que as pessoas não conheciam. Fizemos muita coisa e conseguíamos realizar nossas temporadas no Teatro Icbeu, que não funcionava como teatro na época. Coube ao CPT apropriar o espaço para tal. Era um sucesso. Sempre com casa cheia, porque era entrada franca. Parto do princípio de que ninguém tem que pagar para ver os outros aprenderem e a pessoa tem que aprender para depois se vender enquanto profissional. A maioria das pessoas que fazem teatro hoje passaram ou pela escola do CPT ou pelo seu grupo. Tínhamos teatro de bonecos, grupos de teatro adulto e um processo de muita leitura, pesquisa e trabalho. Fizemos "As Criadas", "A Infidelidade ao Alcance de Todos" , "Desejo", "Toda Nudez Será Castigada" e muitos mais. A nossa média de espetáculos montados chega a mais de trezentos. Atualmente, estamos fazendo um trabalho que atende a escolas ou empresas, sendo que, no momento, estamos com quatro espetáculos na Newton Paiva e três no Sesiminas.

ESCOLA - A escola é indispensável para qualquer pessoa. Mesmo para o talentoso. A arte precisa de organização e a pessoa só se organiza quando se exercita. A escola é o espaço para o exercício. Quando falo de escola, não estou falando de formalidade nenhuma. Acho que arte não se ensina, mas na escola aprende-se a sentir e, para isso, é preciso se exercitar.

TEATRO MINEIRO - A diferença primeira dos tempos de ontem e hoje é o ritmo. A vida de hoje é muito acelerada e aquela nossa vida dos anos 40 e 50 era muito mais lenta. As pessoas acreditavam nos processos com princípio, meio e fim. Mas a pós-modernidade já não precisa disso e, às vezes, já se tem começado pelo fim. Depende do pulo do gato, ou seja, da oportunidade. O mundo hoje é mais o das oportunidades do que da formação. Por outro lado, o que acontece é que algumas pessoas têm a oportunidade, mas não estão preparadas. Aí a queda é certa. Como também acontece o contrário, quando se trabalha muito, mas devagar e não se consegue acompanhar o ritmo do processo pós-moderno. Então, o pós-moderno é tempo e qualidade. Os dois são indispensáveis, mas qualidade em pouco tempo, às vezes, é mais difícil de adquirir. Há quem consiga. Em relação ao teatro, e não só o mineiro, mas sim o universal, estamos vivendo a época da desmontagem. O jovem já não tem paciência com os dramas que precisam contar a história. Os enredos têm ficado em segundo plano, porque já estão desgastados. O mundo hoje está mais para Artaud do que para Stanislavsky ou Brecht. Ou seja, está para o espetáculo da surpresa, da mágica, do inexplicável e que não precisa de princípio, meio e fim.


POLÍTICA CULTURAL - Ando meio afastado do processo por cansaço. Enquanto produzia, durante minha vida inteira, fazia meus pedidos. Quando eles saíam, anexava a solução ao que já estava sendo montado. Quando não era atendido, continuava minha produção do mesmo jeito. Em suma, sempre achei que devemos andar sobre as nossas próprias pernas. Todas as vezes que precisamos das pernas dos outros, muitas vezes, elas não vêm andar conosco e acabamos por não concretizar os nossos projetos. Vejo também que hoje há mais especuladores no processo do que realizadores. A forma como vem acontecendo, tem atendido a muita gente. Por outro lado, sei que tem que ser reorganizado, porque sabemos que os próprios meios que fornecem ou possibilitam um caminho, são os mesmos que lhe furam lá na frente. Têm que ser revistos, melhorados, mas nunca abandonados. Além disso, acho que o Estado tem que contribuir para cultura sim, mas sou contra qualquer atitude paternalista.

RECADO - Viver a paixão e o sonho, mas ao mesmo tempo não se esquecer de si mesmo, porque o sonho nos realiza, mas a pessoa realizada tem que vencer. Para vencer temos que atender, paralelamente, ao mundo que vivemos. Este mundo é capitalista. Portanto, é anexar o sonho à possibilidade de sobrevivência. É bom lembrar ao jovem que o que está faltando é atitude. Partir de si próprio e querer fazer. Se o sonho é este, então chame as pessoas que quiserem embarcar nele com você.

PALCO BH - Tem me ajudado muito. É um projeto que deu certo e que não pode parar, pois orienta as pessoas e ajuda os grupos de teatro a se divulgarem. A cidade informa mal e o Palco BH informa bem. É uma síntese cultural da cidade."


Coxia
Entrevista