Artista Cênico, quase sempre Palhaço
E "Comecei menino, fazendo teatro amador
dentro da escola, até que em 1988 cheguei ao TU (Teatro Universitário
da UFMG). Lá conheci o curso de palhaço, através do grupo argentino
La Pista 4. Me formei no TU e fui trabalhar na FUNARBE (Fundação
Artístico-Cultural de Betim), dando aula e coordenando as artes
cênicas.
Em 92 fiz um curso
com o Grupo Lume, no Festival de Inverno, e ficamos cerca de 13
dias internados em uma escola de Sabará. Foi aí que nasceu este
meu palhaço, na época chamado "Dog", hoje "Viralata". Em seguida,
saí da FUNARBE e fui para a Espanha. Fiquei por lá durante três
anos, passando chapéu, mambembando, treinando palhaço e malabares,
o que me ensinou a ser palhaço. Em 95, montei um espetáculo em
Portugal, do Silvino Fernandes, chamado "O Nó da Corda Amarela".
Depois, voltei para o Brasil e comecei a trabalhar, não mais como
ator, e sim como palhaço. Hoje só me chamam praticamente para
isso, apesar de eu também escrever para teatro. "O Poeta do Concreto
Armado" é um texto meu que foi feito pelo Yuri Simon em 92 e,
neste ano, será remontado pelo grupo do curso de teatro do Sesc.
Além disso, dirijo e atuo quando me chamam, mas virei mesmo palhaço.
O primeiro espetáculo que fiz foi "A Revolta dos Brinquedos",
com o Ronaldo Boschi. Em seguida, trabalhei em "O Gatinho Que
Bebeu a Lua", que me trouxe para o espetáculo que estou co-dirigindo
- "A História de Pepeu e Marieta", também de Silvino Fernandes
(texto e direção). Ao longo do tempo, fiquei atuando mais com
o meu "Viralata, o Palhaço Está Solto", e fazendo intervenções.
No ano passado trabalhei na direção cênica do Grupo Miradouro,
na área de música, e por dois anos na TV Horizonte, co-apresentando
um programa infantil chamado TVX. Ultimamente tenho dado muito
curso, inclusive darei um em Lima-Peru, no final de março. Quero
ainda fazer alguns projetos, como uma vertente de vídeo do meu
trabalho com o "Viralata", e ver se consigo dirigir um espetáculo
se possível com texto meu.
TEATRO MINEIRO
- Tenho um pouco de medo do teatro feito só para artistas ou para
aquele público que já vai ao teatro desde sempre. Quando voltei
da Espanha vim sem grana, desci lá na Bahia, peguei um ônibus
para chegar aqui e atravessei toda aquela miséria do país. Aí
eu me perguntei: - "Que teatro vou fazer aqui? Que teatro deve
ser feito em um país que passa fome?" Ou é para essas classes,
e aí sim um teatro que levante questionamentos além de entretenimento
ou, pelo menos, um teatro que se volte para o povo. Por isso optei
pelo teatro de rua. Agora, o que incomoda é que passou-se a fazer
teatro para a Lei de Incentivo à Cultura. Ninguém mais faz visando
seus objetivos, pois ficamos escravos da Lei, assim como, em um
tempo, fomos escravos de reis. Estamos entre o nosso trabalho
artístico, que está diminuído, e o de agentes sociais ou fiscais
das Instituições Públicas. Quero dizer, muitos artistas só estão
fazendo seus trabalhos como uma atividade social, esquecendo-se
da qualidade artística e cultural. Um assistencialismo que deveria
ser feito da maneira correta, mas por outras Secretarias, não
as de Cultura. Acho que a Lei teria que ser revista em todos os
seus processos, em seu corpo e em toda maneira de fomentar cultura.
Apesar de achar que a cultura tem que ser incentivada, não penso
que o artista seja um semideus que deva ser mantido pela Dona
Maria, que trabalha de lavadeira, nunca vai ver teatro e, no entanto,
está mantendo as pessoas que o fazem. Tem que existir uma consciência
de todos os lados. Política cultural? Qual? Em nome de uma suposta
Lei de Incentivo abandonou-se a política cultural. Hoje, quem
não participa da Lei está triplamente penalizado. Primeiro, porque
não ganha o dinheiro da Lei; segundo, porque não consegue empresas
patrocinadoras; terceiro, porque estas só patrocinam através da
Lei. A própria Prefeitura só trabalha com a contrapartida social.
Deveria partir de uma política mais ampla, de valorizar realmente
quem está fazendo bons trabalhos, valorizar aquilo que tem retorno
para o público e não ficar na hipocrisia de deixar 10 lugares
no seu espetáculo para quem quiser vir, pois quem mora em Venda
Nova, por exemplo, não vai baixar aqui. Quem nunca veio ao teatro
não vai vir. Então tem que ter outras maneiras. Eu fui um dos
defensores dessa > > contrapartida, quando, por dois anos, fui
da Comissão Municipal de Incentivo à Cultura e sou contra hoje,
pela forma como vem sendo feita. Era uma prática livre dos próprios
artistas e foi criada, na época, para fazer com que os outros
que só ganhavam fossem obrigados a fazê-la também. O que acontece
é que, no mesmo momento em que foi aprovada, já se fazia mau uso
desse mecanismo.
O CIRCO E O PALHAÇO - Minha atração pelo circo veio depois
de adulto, ao contrário da tradição. Só que, quando a gente fala
em tradição do circo, o que nos vem à memória é uma tradição de
duzentos anos. Eu trabalho com a tradição de palhaços e artistas
que é de mais de quatro mil anos. Aí sim é que posso me inserir.
O palhaço esteve dentro das Cortes, os artistas mambembes estiveram
nas feiras, na Commedia Del'Arte, e vêm se manifestando de acordo
com a mudança da sociedade. Não sou de uma família circense, mas
sou de uma tradição circense, pois tento respeitar e trabalhar
me posicionando no meu momento e no meu lugar, como eles também
fizeram no tempo deles. O circo tradicional está sofrendo no Brasil,
o que é uma pena. Uma coisa linda, que trabalha com a emoção e
com um certo resgate da arte para toda a família. Mas os artistas
têm buscado outros espaços. Agora eles estão em bares, voltam
para as ruas, estão nas festas mais modernas e trabalhando com
empresas, buscando as outras maneiras da arte se manifestar. A
primeira imagem que a gente tem do palhaço é a do palhacinho de
festa. Não culpo ninguém, mas também não recomendo. O palhaço,
ao longo dos séculos, tem sido uma maneira de contestação, de
denunciar o ridículo do ser humano através do seu próprio ridículo.
Então, ele não é um personagem, mas sim uma personalidade. O pessoal
diz que isso é o "clown" e que o palhaço é só o de circo. O que
aconteceu é que, na França, em uma época, Philippe Gaulier decodificou
essa técnica e várias pessoas começaram a trabalhá-la. Apesar
de ser pronunciada de forma diferente ("clun", em francês), escreve-se
"clown", como na língua inglesa. O termo se espalhou pelo mundo
e "palhaço" se tornou uma coisa vulgar, e "clown" mais elitista.
Na verdade, uma coisa é igual à outra. Cada uma na sua língua.
Em uma análise particular, teve uma época em que o palhaço ficou
ligado ao grotesco, depois ao louco, depois, já na época do circo,
ao bêbado, e agora, ao excêntrico. O que quer dizer que ele sempre
viveu à margem. Vive dessa provocação, de denunciar uma sociedade
que aceita a imoralidade, a falta de respeito e o individualismo,
como nós estamos aceitando de cabeça baixa e calados. Mas isso
é o papel do artista e não só do palhao.
RECADO - Gostaria que o ser humano estivesse lutando pelo
ser humano, pela humanidade. Não só nós, artistas, pois esse papel
não é só nosso. Que a gente visse o planeta como um planeta e
que não tivesse tanta coisa ruim para o palhaço denunciar. Não
me importaria de perder o meu emprego se o mundo fosse mais interessante
para as pessoas."
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