LUIZ PAIXÃO


Teatrólogo
"Comecei a fazer teatro em 1977, movido pelo movimento político de luta pela redemocratização do País, escrevendo para teatro. Em 1978, fui fazer um curso no Centro de Pesquisas Teatrais (CPT), do Ronaldo Boschi, para entender o teatro, pois nunca tive interesse em ser ator. Naquele ano, a Mamélia Dornelles, que foi minha professora, e o Jota Dangelo estavam montando "Os Pequenos Burgueses" e pedi para participar do processo.

O Dangelo, indiscutivelmente, foi o meu grande mestre. Ensinou-me a procurar por mim mesmo, estimulando-me a estudar, ao invés de me dar as coisas de mão beijada. Aí fui correr meu próprio caminho, escrevendo, até que resolvi dirigir teatro. Hoje, a direção fala muito mais forte do que a própria escrita e não me considero mais um dramaturgo e sim um encenador. Continuo escrevendo, mas só para mim. Nesses 26 anos de teatro, nem sei quantos espetáculos foram. Acho que mais de 30 e gostaria de citar alguns que considero mais significativos na minha carreira. Em 1993, montamos "Sob o Signo do Prazer", que foi o espetáculo inaugural da Companhia de Teatro. Logo depois, veio "Malandro, O Musical". "Medéia", em 1999, foi o espetáculo que lançou a Companhia para fora de Minas e ganhou os principais prêmios no Festival de São José do Rio Preto, que é ainda o principal festival desse País. Outro espetáculo que marcou, pela própria estruturação estética, foi "A Casa de Bernarda Alba", em 2000. Depois fizemos "Fausto", "Amor em Pedaços", "Troianas", (ainda em cartaz), "Todas Mulheres São Maria" e "Canudos", que estreou agora em março.

ESCOLA - A escola aponta caminhos ao ator, para que ele não perca tempo e não adquira vícios muito difíceis de tirar depois. Vejo a escola muito mais como uma orientação do que como uma formação. O ator se faz na prática do dia-a-dia. A escola dá alguns princípios fundamentais como disciplina, respeito ao trabalho do outro, a necessidade da experimentação, algumas técnicas e, sobretudo, ética teatral. Nisso a escola é fundamental, para orientar o aluno em seu comportamento profissional.

COMPANHIA DE TEATRO ESCOLA DE ARTE - Em 1983 comecei a dar aulas até que, em 1996, eu e Anália Marques montamos a Companhia de Teatro Escola de Arte, que já existia antes como produtora. Surgiu de uma maneira muito legal, com a idéia de fazer uma escola em que o aluno tivesse a liberdade dos cursos livres e a qualidade dos cursos profissionalizantes. A Companhia tem investido muito em experiência e pesquisa. Isso está me mudando muito enquanto encenador, pois está obrigando-me a refletir sobre teatro. Hoje, a Companhia de Teatro tem uma nova sede e está ampliando o seu campo de ação. Mais do que uma escola de teatro, é um centro cultural, porque além do curso de teatro, que é o carro chefe, tem cursos de dança, música, pintura e uma lojinha de aluguel de adereços e figurinos. Além disso, a sede tem seu próprio teatro. Estamos muito apaixonados com a nossa nova casa e gostaríamos de convidar as pessoas para virem e trazerem projetos. A Companhia de Teatro está de braços abertos para o teatro, dança, música e pintura.

TEATRO DE BH - Meu comparativo inicial é o de que quando comecei, a gente tinha cinco casas de espetáculos em Belo Horizonte e hoje tem mais de trinta. Isso, obviamente, interfere em todos os níveis: na pesquisa estética, na quantidade e qualidade do público, na formação de grupos e na própria quantidade de pessoas trabalhando no teatro. Esse crescimento quantitativo e qualitativo das casas de espetáculos interferiu fundamentalmente no processo teatral. Só lamento que o teatro, hoje, em BH, esteja extremamente voltado para a comédia. Não tenho nada contra, pois cada um faz o teatro que acha melhor, desde que o faça com competência. Adoro comédia, mas vejamos, por exemplo, a Campanha de Popularização. Fala-se de 200 a 300 mil pessoas que assistiram. Acho que se tirar cinco ou seis espetáculos, a gente vai cair no que sempre foi, em torno de 25 mil pessoas. Então, a Campanha de Popularização está precisando passar por uma reformulação, porque não é mais Campanha de Popularização do Teatro e da Dança e sim da Comédia e do Besteirol. Pessoas como eu, por exemplo, que trabalham com outro tipo de teatro, estão apenas referendando a Campanha, em vez de participar efetivamente. São os mesmos espetáculos sempre. A mídia também precisa repensar a sua postura diante da Campanha, porque ela está preocupada, única e exclusivamente, com os espetáculos que atraem o grande público. A mídia precisa também voltar os olhos para outro tipo de teatro, o de pesquisa e de experimentação que está se fazendo em BH. Como o teatro fica mais visível durante a Campanha, esses espetáculos acabam sendo renegados. Não é que se deva tirar esses espetáculos, mas repensar o processo para que a gente não fique apenas referendando e dando legitimidade a uma Campanha de Popularização que, no meu entendimento, não cumpre o que deveria, que é popularizar o teatro de maneira geral.

POLÍTICA CULTURAL - Acho que houve um desvio de rota que fez com que todas as empresas ficassem nas mãos das agências ou agenciadores, que não têm compromisso nenhum com a cultura. Só estão preocupados, porque têm a sua porcentagem em cima. Então, para mim, é muito claro. Não empresto o meu nome para ninguém que não tenha nenhuma relação com a cultura somente para ganhar dinheiro. No último espetáculo que tentei montar através de lei de incentivo, não consegui nenhum centavo e montei assim mesmo. Não vou deixar de fazer teatro por causa disso. As pessoas só produzem se tiver lei de incentivo. Isso é muito ruim para o movimento teatral. Faço teatro porque quero e é necessário para mim. Monto o que quero, quando eu quero e durante o tempo que quiser. As pessoas, em Belo Horizonte, estão muito conformadas e presas ao poder público, esperando as leis de incentivo ou a concorrência pública. São pessoas que têm condições de arriscar e não se arriscam. Acho que esse tem sido o grande entrave. Em termos governamentais, é preciso repensar algumas questões relacionadas ao acesso ao teatro. A democratização da cultura passa pelo Estado, inevitavelmente. A partir do momento em que o Estado abre mão do imposto, em função das leis de incentivo, lava suas mãos e não faz um projeto mais amplo para a cultura. É a política cultural. Quem está no teatro público ou tem lei de incentivo, na minha opinião, teria que, obrigatoriamente, destinar parte de seus ingressos para associações de bairro, sindicatos e instituições. Senão, fica muito fácil mamar nas tetas do poder e não dar nada em troca para a população. Mas acho também que a questão da meia entrada para estudantes é um absurdo, porque eu não tenho um único centavo do Estado, da Assembléia ou da Câmara nos meus espetáculos. Se o espetáculo tem algum subsídio oficial, aí sim, ele tem que dar desconto não só para estudantes, mas para toda a população. Acho absolutamente discriminatório um estudante ter acesso e a empregada doméstica ou o operário civil não. Obviamente, isso vem de encontro ao legislativo, que precisa repensar essas coisas. Não pode me punir se não tenho nenhuma concessão. Se estou em um espaço público, é uma concessão. Mas a partir do momento em que estou no meu espaço, pago aluguel, luz e IPTU sem subsídio nenhum, é um absurdo legislar sobre isso dessa forma. Então, ou abre para todo mundo ou não, porque estamos começando a privilegiar uma camada da sociedade que tem condições de pagar teatro, porque o estudante de periferia não tem dinheiro para pegar o ônibus e ainda pagar meia entrada no meu espetáculo. É um pouco demagógico de quem fez essa lei, interferindo no privado de uma maneira tão gritante. Não é nada contra os estudantes e sim a favor de toda a população.

MISSÃO DO ARTISTA - É a de se inquietar diante da sua realidade e sua história. O artista só tem razão de ser, a partir do momento em que ele se inquieta e provoca novas inquietações através da sua arte. Não concebo a arte dissociada de seu tempo, da sua realidade e de sua história. Quero que nos meus espetáculos as pessoas saiam diferentes do que entraram e melhores.

RECADO - Que as pessoas primem pela qualidade. Ninguém é obrigado a gostar do meu trabalho e concordar com a minha estética e ideologia. Mas as pessoas que assistem aos meus espetáculos têm que concordar que são de qualidade, mesmo que se discuta alguns de seus componentes. O teatro mineiro só vai se impor a partir da luta pela qualidade. Caso contrário, nós só vamos continuar dando murro no vento. Posso ter um banquinho em cena, mas aquele banco tem um significado e a atriz sabe exatamente o que tem que fazer. Então, o mais importante é a qualidade do investimento artístico.

PALCO BH - É um dos veículos mais importantes que surgiram em Belo Horizonte até hoje, por dois motivos: primeiro, porque é feito por pessoas vindas do teatro, que se preocuparam e conseguiram, apesar de todas as dificuldades, fazer um trabalho da qualidade que o Guia tem. O segundo é exatamente a qualidade. É muito importante pela sua diversidade. Naquele pedacinho de papel, a gente encontra tudo. Hoje, o Palco BH já é um pouco do patrimônio do teatro mineiro. Esteve ameaçado aí e foi preocupante, porque não podemos deixar o Palco BH morrer nunca. Ele é nosso patrimônio. Parabéns a Neise, ao Léo e ao Aluízio, que são pessoas que estão fazendo o possível e até o impossível para que o Palco BH resista."

Coxia
Entrevista