Cenógrafo e Arquiteto Cênico
"A profissão que tenho hoje é um somatório
de conhecimentos organizados? Não sei. É o resultado de várias
áreas de atuação? Talvez. A minha família sempre teve músicos,
poetas e artistas. Nenhum de renome mas, tanto por parte de mãe
como de pai, há um pendor artístico.
Minha mãe foi professora
de piano, tinha um conjunto de câmara com amigos e era animadora
cultural de Araguari. Então, desde pequeno, fui estudar piano,
flauta e pintura. Isso tudo foi me dando espaços. Vim para Belo
Horizonte fazer faculdade, fui cantar no Coral Ars Nova, tocar
flauta na Camerata Belo-Horizontina, e me formei em Arquitetura
e Urbanismo na Escola de Arquitetura da UFMG. O teatro veio com
Ítalo Mudado. Quando cantava no Ars Nova, o Ítalo me convidou
para fazer duas tragédias gregas: "Agamenon" e "Antígona. Enquanto
fazia teatro e arquitetura, atuei em muitas peças infantis com
Helvécio Ferreira, que foram o aprendizado do palco. Fiz maquiagem,
contra-regragem, toquei flauta e compus músicas. Tudo medianamente,
porém, juntando todas essas coisas, foi o que me deu a possibilidade
de conhecer o que sei e penso hoje: o corpo no espaço, o espaço
organizado, as relações de poder no espaço, a definição do espaço
de cada personagem, a cor e sua psicologia. Meu começo com cenografia
foi em 1968, no espetáculo "Procura-se Uma Rosa", com Carlos Alberto
Ratton. Em 1969, fiz "Morte Sem Sepultura", do Sartre e com direção
de José Antônio de Souza; "Geração e Revolta", dirigido por Rogério
Falabella; "Futebol, Alegria do Povo", do Jota Dangelo e "As Beterrabas
do Senhor Duque", com direção de Helvécio Ferreira. Daí, veio
mais teatro, a dança, a ópera e a direção de vários espetáculos
e eventos. O útimo evento que dirigi foi o aniversário da Rádio
Inconfidência, aqui no Palácio das Artes. Fiz também a inauguração
do teatro da Usiminas, em Ipatinga. Como busco conhecer essa organização
do espaço, ensaio as minhas direções. "Estrela Dalva", do Pedro
Paulo Cava, e "Reino Encantado", peça infantil do Cristiano Aguiar,
foram os últimos cenários em teatro. Estou preparando cenário
e figurinos do "Balé Coppélia", aqui no Palácio das Artes e embarco
no dia primeiro de dezembro para Portugal, onde vou fazer o cenário
da ópera "A Arca de Noé", de Benjamim Britten, na região do Porto.
O convite foi feito pelo Centro de Cultura Musical Artave (CCMA),
que é uma grande escola de música. A minha formação artística
foi o que me conduziu para a cenografia e as artes, áreas em que,
naturalmente, emprego a engenharia e arquitetura. Então, o meu
estilo hoje como cenógrafo vem dessa minha trajetória. Também
sou professor e gosto de repassar o conhecimento. É muito bom.
Faz parte do meu caráter, eu não guardo a receita. Acho que o
conhecimento deve ser repassado. Quanto mais pessoas souberem
o que sei, melhor terei sido e a vida não terá sido em vão. Eu
gosto de jovens e essa é a melhor parte. Existe também a idéia
de um livro, que é uma cobrança absoluta e deveria ser um compromisso.
Mas, na rotina do dia-a-dia, não sobra tempo. Eu tenho que me
isolar para escrever algo desse conhecimento organizado que não
está disponibilizado em nenhum livro em português. Alguns livros
de cenografia são absolutamente técnicos e tenho uma vivência
que é fruto da minha prática e que deve ser disponibilizada. Eu
sei que um dia isso vai ter que acontecer. Você (Neise Neves)
e Léo Quintão são grandes estimuladores em relação a isso.
FUNDAÇÃO CLÓVIS
SALGADO (PALÁCIO DAS ARTES) - No ano de 2001, o Palácio das
Artes fez uma agenda e colocou, em uma das páginas, uma frase
que citei em uma entrevista: eu penso que o Palácio das Artes
é o meu lugar de origem e destino. Vim para o Palácio das Artes
como convidado, para fazer eventuais espetáculos e, depois, me
tornei funcionário. Acabei ficando por aqui. Um cenógrafo pode
trabalhar em uma Casa que é um grande centro produtor. O Palácio
das Artes só não é o maior do mundo porque está em Belo Horizonte
e, como sabemos, o que é bom vem da Corte. Não existe no Brasil
outra instituição com tanto espaço e tempo ofertados e ocupados
pela cultura. Se você pegar o grande Municipal de algum lugar,
ele tem a orquestra, a cia. de dança e o coral. Aqui tem orquestra,
a cia. de dança, coral, um centro técnico, escolas de teatro,
música e dança, biblioteca, oficinas e um espaço que respira arte.
Eu fui para Londres, Paris ou Nova York? Não. Uma pessoa que tem
um conhecimento organizado, uma carreira que se consolida, com
60 anos de idade, não pode ficar aqui? Não é um demérito. Acho
que Minas me merece. No Palácio, já fui diretor artístico por
quase oito anos, superintendente de vários setores e hoje superintendente
do Centro Técnico de Produção. A minha intenção, juntamente com
o Mauro Werckema (Presidente da Fundação Clóvis Salgado), é a
consolidação absoluta de Belo Horizonte enquanto centro produtor,
através da construção de um espaço com várias oficinas, alojamento,
salas de aula, depósito, locais de toda a possibilidade de construção,
exercício da arte e a cenotécnica levada às suas últimas consequências.
Já passou da hora de fazermos. Então, a nossa luta agora é conquistar
o Centro de Tecnologia do Espetáculo, onde poderemos dar aulas
e formar profissionais. Não existem escolas de cenotécnica, nem
de cenografia, e há uma demanda. Tentamos supri-la com estágios,
na época das produções de óperas e balés aqui da Fundação. É uma
obra de algum custo mas, uma vez ficando pronta, coloca BH acima
de qualquer centro de produção do Brasil, rivalizando com todos
do mundo. A minha trajetória é estar aqui coordenando e orientando.
Essa condição de agente estimulador é sempre muito gratificante.
TEATRO E CENOGRAFIA FEITOS EM BELO HORIZONTE - No meu
começo de carreira, nós tínhamos poucos teatros: o Francisco Nunes
e depois o Marília. As temporadas eram mais curtas, tinha um trabalho
que era amador, mas de muita qualidade. Fiz parte de alguns grupos,
principalmente o Teatro Experimental, em que Jota Dangelo foi
o diretor e que buscava novos espetáculos, autores e nova estética
para a encenação. Quer dizer, o contemporâneo e a vanguarda já
foram feitos nesses anos passados e eu participei desse processo.
Posteriormente, o teatro de Belo Horizonte ganhou mais casas de
espetáculos e descobriu o filão do teatro comercial. Hoje, não
vejo uma busca de linguagem e contemporaneidade. Vejo um teatro
feito assim… comum. As casas de espetáculos agora são muitas,
mas tem muitas pessoas produzindo e encenando também. O resultado
disso é que as casas não são bem preparadas e, então, têm que
receber dois, três e até sei lá quantos espetáculos ao mesmo tempo.
Ultimamente, alguns teatros não permitem cenografia. É o mesmo
que construir uma igreja sem altar. Apesar de o exercício dos
estágios que temos feito aqui ter estimulado muito as pessoas
e colocado bastante gente no mercado, a cenografia hoje não é
mais tão consistente. Um espetáculo não pode ter uma cenografia
consistente se ela tem que ser desmanchada para dar lugar a um
outro espetáculo, que vai dar lugar a outro. Sou da época da realização
de obras primas. O teatro ficava por conta daquela peça. Hoje,
tem que se fazer qualquer coisinha para satisfazer uma necessidade
dos administradores dos teatros, que é a de ter mais espetáculos.
Então, eu não faço cenários há muito tempo. A não ser que seja
em teatros que permitam uma cenografia mais consistente, como
o Ceschiatti, o da Cidade ou o Palácio das Artes, onde você monta
e fica. Nos outros, tem que montar e desmontar todos os dias.
Assim, não há competência ou qualidade estética, artística ou
material que suporte essas montagens e desmontagens. A pergunta
fica no ar: tecnicamente, nós aumentamos a capacidade dessas casas,
enquanto espectadores? Outra questão é que a Campanha de Popularização
do Teatro faz com que as pessoas deixem para ir ao teatro somente
na época de sua realização. É claro que as Campanhas têm tido
sucesso, mas a temporada ao longo do ano - que é o exercício,
a divulgação e a imagem do artista - fica diluída a poucos espectadores.
Que reflexão pode ser feita sobre isso? Os espetáculos perderam
em qualidade? Com certeza, mas, lógico, há exceções. A cenografia
não está bem, como a produção também não.
RECADO - Busque fazer sempre o que você goste. Jamais faça,
principalmente na arte, algo que você não queira. Eu sou feliz,
porque faço o que gosto.
PALCO BH -
As pessoas tinham que ler mais e ter mais informação. As informações
são precárias, porque os nossos jornais de circulação não pensam
que podem vender jornal também pela cultura. Nós poderíamos ter
uma melhor ou maior platéia com veículos como este, que eu sei
que as pessoas pegam. Esquecemos que temos turistas, que pegam
qualquer documento em um display de hotel e que as pessoas de
teatro buscam saber o que vai acontecer. O que tem de fundamental
no Palco BH é o fato de registrar as pessoas. Então, a gente sabe
que no momento em que for feita a busca da memória, já tem um
registro: o Palco BH."
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