Artista de Dança
Eu costumo dizer que sou da geração
dos anos 70. Comecei com a Maria Helena Martins, por volta de
1969, no Grupo e Escola Transforma, onde, aos poucos, fui me tornando
bailarina, professora e coreográfa. Por isso falo que sou uma
Artista de Dança. O Transforma foi a primeira escola de dança
moderna.
Entrei para lá com
10 anos de idade, aos 14 já estava dançando, aos 16 dando aula
e aos 18 coreografando. Era um movimento intenso, em que a gente
não tinha o modelo, mas a invenção. Desde aquela época, a improvisação
em dança era trabalhada e a Maria Helena teve a preocupação de
escrever a nossa própria dança. A questão da sobrevivência me
fez dar muitas aulas. Quanto mais aulas dava, mais a minha linguagem
ia se construindo. Meu primeiro trabalho foi "Escolha Seu Sonho",
que pontua essa possibilidade de me tornar coreógrafa e de gostar
de fazer para os outros. Fiquei no Transforma até 83 e depois
fui para o Palácio das Artes, onde trabalhei de 85 a 87 com a
Cia. de Dança e a escola. Mas trabalhar com o Estado é sempre
um pouco difícil e comecei a dar aulas em várias escolas de dança.
Com o Eid Ribeiro, fundei a Cia. Absurda, com a qual fizemos o
"Universo Becket". Depois, comecei a fazer os meus trabalhos.
Surgiu, então, a Benvinda Cia. de Dança, por uma necessidade extrema
de dar um nome aos bois. Nesse ínterim, já estava com o Estúdio
Dudude Herrmann, que foi uma outra urgência, pela possibilidade
de desenvolver a minha linguagem pedagógica e de ter um espaço
para conceituá-la, exercendo a liberdade de criação, sem modelos
e sem fantasmas, mas deixando o universo de cada pessoa ser compartilhado.
O Estúdio e a Benvinda comungam desse pensamento. A Cia. começou
com "Arrotos e Desejos", que tinha pessoas de várias áreas: o
Marco Paulo Rolla, Tarcísio Ramos, Arnaldo Alvarenga, Paula Retori,
Eugênio Paccelli, Ana Gastelois e Mônica Medeiros. Em toda a minha
trajetória fiz essa trama que o Transforma tinha muito, desse
encontro das linguagens e sempre trabalhei com atores, músicos
e artistas plásticos, pois somos artistas e contemporâneos, mas
com expressões distintas. A Benvinda se institucionalizou, de
fato, em 99, com "O Armário", que a gente ganhou do Centro Cultural
Banco do Brasil. Depois, fui trabalhar com o Adyr Assumção em
"Ifigênia". Fiz, então, o "Barrocando", uma chama que continua
pulsando nos baús, doido para ser remontado. Mais tarde, ganhei
a bolsa Virtuose do Ministério da Cultura e fui para a França
ver o Brasil longe do Brasil e perceber que a gente é um cidadão
do mundo também. Nascemos em nossa cidade, construímos nossa casinha,
a cerquinha, mas tem que ter uma porta, para que a gente saia
e entre sempre, percebendo que todas as pessoas do mundo são nossas
contemporâneas, só que com realidades diferenciadas. Acho um absurdo
que a gente aqui não faça um protesto contra a guerra do Iraque,
porque nós somos os próximos da fila. Temos riquezas, e naturais
ainda por cima. É também função do artista antenar para esses
problemas, porque não existe arte que não seja social e política
e os nossos assuntos giram em torno disso e não em torno do nosso
umbigo, acredito. Então, fiquei lá na França me alimentando, me
reconstituindo num lugar que tem uma tradição de mais de 200 anos
de cultura e política cultural. Fui para um país rico em cultura.
Era tanta informação, que encontrei pessoas lá que queriam um
pouquinho de silêncio e aí está um paradoxo, porque aqui a gente
capina. Se for depender de incentivo, não se faz nada. Se ficarmos
parados, ninguém sente a nossa falta, porque não existe uma política
cultural. O cidadão tem uma triangulação: cultura, educação e
saúde. Um povo ciente de si adoece menos, porque ele vai ter a
liberdade de optar, além de um começo de cidadania para se sentir
mais ou menos igual. O rico pode e o pobre não. Tem coisa errada
aí. O ladrão está famoso demais e o que é ser famoso? É a casca.
É não ter saber nenhum, mas ser bonito e gostoso. Ou assaltar,
matar e sair no jornal. É um ser famoso muito estranho, com certa
escala de valores equivocada. Isso é porque não temos aquela formação
de base. Os professores do nível escolar primário estão carentes
de saber e esses multiplicadores precisam de estudo. Assim, a
gente vai dividindo migalhas. Voltei no final de 2001 e tive que
construir a minha própria roda. Esses ditos países que tem uma
cidadania adquirida têm uma roda comunitária que você entra e
a cultura, saúde e educação giram. É claro que tudo tem problemas,
mas com intensidades diferentes. Aqui cada um tem a sua rodinha
e aí tive que fazer a minha girar de novo. Em 2002 plantei muito
e vou continuar plantando. São projetos que a gente desenvolve
aqui no espaço: o Projeto Sala Aberta, com oficinas para pessoas
sintonizadas com esse pensar de arte, tudo com o cunho de multiplicar
o saber, a informação e a troca. Trabalhei ainda com a Cia. Burlantins
em seu último espetáculo e no Oficinão do Galpão, no "O Homem
Que Não Dava Seta". Com a Benvinda fiz "Quatro Solos Para Três
Intérpretes", que está este mês na Campanha de Popularização.
Também tenho um trabalho, que vou dar prosseguimento, chamado
"Dissertação Sobre o Nada". Enquanto faço essas coisas dou muita
aula, pois preciso. A aula é um alimento para meu trabalho artístico
e vice-versa. LEIS DE INCENTIVO - Falar sobre Leis de Incentivo
e Secretarias de Cultura parece ser a mesma coisa. As Secretarias
de Cultura têm que, realmente, fazer uma política cultural. Lei
de incentivo é mais um mecanismo frente à iniciativa privada.
Para mim, existem comunidade, artistas e governo. A iniciativa
privada entraria nas questões da comunidade e a Secretaria precisaria
acontecer enquanto parceira, fazendo o diálogo entre o artista
e a comunidade. Sou de BH e trabalho com arte há 30 anos e não
vejo isso acontecer. Sei que é difícil, mas falta vontade e uma
urgência que essas coisas aconteçam de fato. Seria interessante
que o Estado e o Município se responsabilizassem por suas instituições,
pois elas entram na Lei de Incentivo como um artista independente,
concorrendo com o pequeno. Sinto-me uma anãzinha perto de uma
instituição. Acho ótimo que essas Leis existam, mas precisam de
mais estudo. Toda vez que faço um projeto, sei que ele vai ser
aprovado em 1/3 ou 1/5. Sei que vou trabalhar com pouco se conseguir
e, junto comigo, "n" pessoas estão com a mesma carência. Então,
repito, a gente está dividindo migalhas. Quando a reportagem que
li no Jornal O Tempo diz que a Lei de Incentivo Municipal ignora
a dança e que os projetos estão em um nível muito baixo, estão
falando de mim e de todas as pessoas de dança. Será que não temos
capacidade de fazer um projeto em um nível que a Secretaria almeja?
Mas que nível é esse? Quem somos nós? Qual é o nosso estudo e
nossa trajetória? A luz se espalha e não se vê o foco da urgência,
ao passo que estamos competindo com o próprio Município ou Estado.
Então, vou ter que entrar para uma instituição, pois não posso
trabalhar como artista no Brasil e não posso morar em BH. Vou
ter que buscar outro sítio, pois a cidade cresce, vai se deteriorando
e a arte vai sumindo. E não existe vida sem arte.
RECADO – Que
este corredor de diálogo se estabeleça. Que o Estado e o Município
tenham interesses nas pessoas que fazem arte. Mas é aí que vemos
que o buraco é mais em baixo, porque a gente precisa sentir interesse
pelo cidadão. É pertencer a uma comunidade e ser uma fatia trabalhando
para o todo.
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