RICARDO BATISTA


Ator e diretor

A minha história é longa e começou em 1969. Estava com 16 anos e andava pelo colégio, quando vi alguém no auditório ensaiando uma peça. Quem estava dirigindo era o Luiz Otávio Brandão, irmão do Ronaldo Brandão (ator e diretor). Eu me sentei na platéia e fiquei assistindo ao ensaio.

 


Comecei a dar palpite e o Luiz Otávio olhava para mim e não falava nada. Dei outro e outro palpite, até que ele me disse: - 'Você dá palpite demais. Quer fazer a peça?' - 'Quero', respondi. Aí comecei assim. Nessa época, não tinha nem profissionalização e nem escola, só o TU (Teatro Universitário). Fizemos o espetáculo "A Matéria da Paz, Que Faz a Bomba, Que Acerta a Pomba". Depois, fiz alguns espetáculos infantis e parei um tempo para fazer faculdade. Formei-me em jornalismo na Fafi/BH e comecei a trabalhar com fotografia, dando aula no Centro de Tecnologia de lá. Minha paixão pelo cinema vem daí. Voltei a fazer teatro em 1979, com "Saltimbancos". Aliás, com a primeira e única produtora profissional que vi em Belo Horizonte. Era a Batangüera, que contratou todo mundo com carteira assinada e salário, o que é difícil até hoje. Fiz também "Transamazônica", com o Márcio Machado, o Luiz Otávio e Antônio Grassi. De lá para cá, tenho trabalhado como ator. Comecei a dirigir quando produzi pela primeira vez. Foi com "Os Contos Eróticos de Decameron", primeira montagem feita aqui, em 1983, com Javer Monteiro, Geraldo Peninha e Moacir Salviano. Ganhei dinheiro, gostei de produzir e resolvi que para fazer teatro tem que produzir também, senão não ganha. Não gosto de montar coisas que outros já montaram. A única coisa que fiz foi "O Casal Aberto", que já havia sido montada, mas não em BH. Depois, foram só peças inéditas, com idéias minhas que pedia para outros escreverem. "Decameron" foi adaptado por Luciano Luppi, "No Cais do Corpo" por Walmir José e "Coisa de Doido" era um texto inédito que faço até hoje, desde 1995. Já "Chico Ruim e Zé Cruel" foi um texto meu com o Parara (Renato Tameirão) e "Defundo Bom, Defunto Morto", meu e de Jair Raso. Agora, estou escrevendo sozinho o "Eu Vendo Este Homem". Esse aí, se tiverem que meter o pau, vai ter que ser só em mim, porque é um espetáculo meu, feito do jeito que queria, como queria e como pensei.

TEATRO MINEIRO - Acho que faltam boas idéias. Posso errar e não fazer grandes coisas, mas não consigo ficar montando texto que já foi montado. Parece que as pessoas que são mais dedicadas e fazem um teatro preocupado com a estética e com acabamento, não conseguem achar boas idéias e bons textos. Então, pegam os mesmos já consagrados, como Shakespeare, Nelson Rodrigues e Moliere, e as coisas novas se perdem. A maioria monta comédias, porque sabem que funciona para o grande público. Mas eu estou no meio do caminho. Não consigo fazer nem um nem outro. "O Coisa de Doido" fica entre a comédia e um tema sério. Gosto sempre de usar o humor para chegar mais perto das pessoas. Uma comédia, quando bem feita e interpretada, é muito mais difícil que um drama. Há muitos anos que não vejo um drama bem feito em Belo Horizonte. Não sei o que acontece na hora de fazer drama, que os atores escorregam e o texto sai da boca para fora. Acho que é vício de interpretação e de direção. Ficam muito preocupados com o tom, com a estética e se esquecem da coisa central do espetáculo que é o ator. É você olhar para o sujeito e ver que ali tem um ser humano real e não um cara interpretando. Então, vejo que são os mesmos dramas e os mesmos efeitos de atores ganhando prêmios.

PÚBLICO - Esses dias fui assistir a alguns espetáculos e todos estavam com um público muito ruim. Fico pensando: o que resolve esse problema? Talvez pequenos sucessos e eventos isolados. Não só a Campanha, mas mais alguns eventos durante o ano, para dar mais gás. É preciso fazer pequenos festivais, além do FIT e os outros que já existem. Houve o Festival da Comédia e não continuou. Agora, tem que ver também se o pessoal tem gostado dos espetáculos. Se a gente soubesse a receita do sucesso, estava todo mundo rico. O teatro hoje é caro, os teatros cobram caro e tem muita gente trabalhando. Então, quando alguém cogita acabar com as Leis de Incentivo, os cabelos da gente arrepiam. Se isso acontece, o teatro acaba. Só vai ter porcaria e com um nível de profissionalismo que vai para o buraco. Teatro não sobrevive em lugar nenhum do mundo sem subsídio do Estado. Acho que alguma coisa deve ser feita para a formação de público. Escutei o Walmor Chagas dizer uma vez algo que achei genial, a respeito de formação de público: por que todo o mundo gosta de futebol? Porque todos, até as mulheres, jogam futebol? Quando é que vão gostar de teatro? Quando todo o mundo estiver fazendo teatro. Na hora que começarem a ensinar teatro nas escolas e a meninada começar a interpretar, vão começar a valorizar. Além disso, o teatro contribui para a formação do caráter da pessoa. É uma ferramenta de terapia para o autoconhecimento. Dificilmente a gente vê um ator, com uma certa maturidade, que não seja sensato. Geralmente, ele possui a cabeça aberta e é uma pessoa que entende bem a vida. O teatro abre muito os horizontes das pessoas. Não é que todos vão ser atores. Não importa. O que importa é que eles vão desenvolver aquele apreço, como, por exemplo, um engenheiro que gosta de música, de artes plásticas etc. De arte, todo mundo gosta. Outro ponto que quero falar é o da produção de televisão aqui. Quando você começa a colocar a cara das pessoas no vídeo e o público começa a conhecê-las e gostar delas, ele vai atrás. A televisão está na casa das pessoas. A pessoa vê cinquenta nomes de peças no jornal e não conhece ninguém. Sem conhecer e fora da mídia, como é que ela vai saber se presta ou não? Depois, ela vai assistir uma peça que não gosta e acha que todo o resto é igual. E quando a peça tem uma boa divulgação e é péssima? Aí, o cara vai assistir, se decepciona e pensa: se essa é ruim, aquela que não tem propaganda é pior ainda. Mas a coisa não funciona por aí.

TIBUM - Este é o meu primeiro caminho para embalar-me na coisa do cinema, que é, na verdade, o que eu quero mesmo. Mas é um negócio que precisa de maturidade e não pode errar. Em teatro, você pode experimentar várias vezes. Mas em cinema, se você fizer uma coisa ruim já de cara, pode desistir de conseguir fazer outra depois. Então, graças a Deus, acho que fiz um produto legal. São duas aventuras completas, que foram feitas para se tornarem série de televisão e contam a história de um super-herói caipira, o primeiro de que se tem notícia. Estou nesse projeto há 15 anos. O piloto foi gravado em 1995 e o outro em 2001. O problema do "Tibum" é que você manda para as emissoras, mas … bom, eu mandei para o pessoal da TV Alterosa e eles gostaram, mas não têm autonomia. Então, mandaram para o SBT em São Paulo e lá (depois de muito tempo, resolvi ligar para saber uma resposta) disseram que era bom, mas não tinha o perfil do público deles. Com exceção da Globo, que tem um cuidado na produção, o nível dessas novelas que eles compram lá fora é impressionante. Então, a minha dedução é clara: o sujeito não viu. As pessoas não param para assistir, não sabem e não acreditam nas coisas, porque acham que só se faz isso na Globo ou dentro de sua própria emissora. Um dia, o Rômulo Duque me ligou e disse que estava com a Ângela Carrato, Presidente da Rede Minas, e pediu-me o filme. Peguntei em qual formato ela queria que enviasse. Era em DVD. Mandei e já faz três meses que estou esperando. Quer dizer, se eu não ficar correndo atrás dela para exibir o filme na Rede Minas, não vou exibir. Vou acabar desistindo desse negócio, entrar com o projeto na Lei, passar para cinema e começar a exibir em festivais, que é muito melhor para mim. A Rede Minas tem a obrigação de fomentar e formar profissionais de todas as áreas. O papel dela não é se preocupar com audiência. É o de fomentar a produção cultural. Um projeto de teledramaturgia emprega cenógrafos, artistas plásticos, músicos, atores, produtores, diretores, editores, enfim, todo mundo. Com o "Tibum", contando os diretos e indiretos, foram gerados cerca de 130 empregos. Já sugerimos a formação de um núcleo de teledramaturgia, mas enquanto tiver essa coisa política nada vai acontecer. Política não tem nada a ver com a cultura. Quem está lá não tem nada a ver com cultura. É um instrumento do Governo e fim de papo. Pode colocar isso que estou falando, porque é desse jeito. Pode falar que estou metendo o pau. Venha falar comigo. Liguem e fechem as portas para mim lá dentro. Azar. Mas que não cumprem o papel, não cumprem. Há quantos anos estamos brigando por isso aqui? Eu e Rominho estamos nessa há vinte anos, desde o "Vídeo Conto". Entra um, sai outro e tudo é a mesma coisa, sem atitude nem nada. O que há é uma preguiça tremenda de manter aquilo lá funcionando.

FORMAÇÃO DO ATOR -Acho a escola extremamente importante, porque ela dá toda a base para se trabalhar com o ator. Muitas vezes, temos que trabalhar a questão da interpretação, coisa que deveria vir do ator, pois o diretor dá as diretrizes e deixa o ator criar. Então, a escola dá a base técnica de colocação de voz e de corpo. Agora, sempre tive uma coisa com as escolas, principalmente as daqui de BH: quando chega na interpretação, sempre vejo, na maioria das vezes, atores com vícios. Por incrível que pareça, às vezes, é preferível pegar uma pessoa que nunca fez nada. Se for um papel mais naturalista, é melhor você pegar uma pessoa que nunca fez escola, do que uma formada, que vem com vícios carregados, que você não consegue tirar. O público não vê um personagem e sim um ator nitidamente representando e declamando as inflexões, achando que tudo está na voz e está só recitando aquele texto. De vez em quando vou assistir a alguns espetáculos e posso citar um de que gostei, porque noventa por cento das pessoas do elenco são reais. É "A Falecida".

RECADO - Oh classe! Vamos correr atrás do negócio da televisão! Vamos forçar a barra para que a Rede Minas seja um instrumento a nosso favor e não continue do mesmo jeito. Programa de jornalismo e entrevistas, qualquer um faz. A coisa mais importante para nós hoje é brigar pela Rede Minas. Ela tem que fazer cultura e não está.

PALCO BH - Acho o Palco BH do caralho. É um barato. Isso é iniciativa de gente que tem coragem de fazer as coisas, e coisas imprescindíveis. Admiro quem tem coragem de batalhar e ter perserverança, porque sei que o negócio é difícil. É duro, vai, corre, mas mantém. Parabéns!"

Coxia
Entrevista