Cenotécnico
e Cenógrafo
"Eu comecei a fazer teatro por uma junção de fatores interessantes.
Fazia iluminação de fotografia e conheci um homem de teatro que
me achava bom nisso e me convidou a ir para o palco. Aí, nunca
mais saí. Isso foi por volta de 1962 e estou até hoje fazendo
teatro. Dei uma parada em 1968 por causa do nefando Ato Institucional
número 5, quando começaram a fechar os teatros.
Apesar de ter começado como iluminador, hoje
sou mais ligado à área de cenografia. A iluminação passou a exigir
um excesso de técnica; os shows, em sua maioria, não precisam
nem do artista, basta a iluminação. Então, abandonei um pouco
essa área. Tenho feito cenografia e dado aulas, porque acho muito
importante aprender as coisas e passar esse aprendizado para os
outros. Entrei até com um projeto na Lei para tentar fazer uma
coisa nesse gênero. Minha vida é essa. Já fiz coisas aqui no Brasil
e fora. Aliás, várias vezes já saí do País fazendo trabalhos de
cenotécnica e cenografia, mas foi aqui em Minas Gerais, principalmente,
é que me fixei, o que é muito gratificante. Financeiramente não,
mas fazer o que se quer e com prazer é muito bom. Outro dia alguém
me perguntou quantos cenários já havia feito. Não tenho a menor
noção. Não sei se mil, mil e quinhentos… Não tenho a menor idéia
e nem dá para contar. Mas dá para falar das pessoas e dos grupos
com quem trabalhei. Foi, praticamente, com todo o mundo que é
importante para a história do teatro mineiro. Começo desde os
mais antigos, como Carlos Xavier, que já não faz mais teatro,
Ziembinski, em São Paulo, Fernanda Montenegro, no Rio, e Maria
Della Costa. Isso é uma bagagem que só o tempo dá. Quer dizer,
você pode ter uma pessoa genial com 25 anos, mas ela não vai ter
a bagagem que, às vezes, sem ser genial, eu tenho, pois são mais
de 40 anos de teatro. É um prazer enorme trabalhar com gente boa.
Dos jovens aos mais antigos.
CAMINHOS DA CENOGRAFIA - Como tudo na
vida, o cenário para teatro oscila de acordo com o mercado. Há
uma tendência de que essa cenografia diminua quando o mercado
se retrai e aumente o volume quando o mercado melhora. Então,
se você está fazendo cenários grandes, é porque o mercado está
relativamente bom.
(Toca o telefone e ele comenta logo após) A Tatiana Rubim (integrante
do Grupo Giramundo) está querendo levar o espetáculo "Cobra Norato"
nos moldes que já foi feito outras duas vezes, dentro da lagoa
dos marrecos no Parque Municipal. Essas doideiras eram minhas
e do Álvaro Apocalipse. Doideira prazerosa, é claro, de fazer
coisa boa. Foi um desafio muito bom, que a gente executou. O Álvaro,
aquela cabeça pensante maravilhosa, e eu que tive o prazer de
fazer a técnica. Ele não morreu, só foi embora, pois tudo dele
esta aí vivo e cada vez melhor. Só me lembro dele com muita alegria.
Então, não tem problema ele ter ido, porque sei que vou estar
com ele um dia. Aliás, estou sempre. Um dos maiores prazeres da
minha vida em relação ao teatro, senão o maior, foi "Cobra Norato".
Bom, então, acho que a cenotécnica oscila de acordo com o mercado.
O produtor faz um cenário maior, mais requintado, porque ele tem
mais dinheiro. Aí, ele investe melhor em tudo: no figurino, no
elenco... Já ouvi muito falarem: esse ano não dá para fazer espetáculo
com mais de três atores. Isso já virou uma mania, porque não se
consegue dinheiro para fazer um espetáculo maior. E nós, cenotécnicos,
vamos sofrer essas conseqüências.
FORMAÇÃO - Na verdade, a formação de
um cenotécnico, originalmente, em Minas Gerais, acontece por uma
coincidência. Grande parte dos técnicos, pelo Brasil afora, vieram
da obra de construção dos teatros. Aqui, por exemplo, não serve
para todos, mas serve para o Palácio das Artes. Hoje, já se renovou
muito o quadro de técnicos de lá, mas vários vieram da obra. A
empresa que construiu o prédio deixou lá seus operários tomando
conta do teatro. Eles não tinham formação técnica teatral nenhuma.
Em outros casos, acontece do faxineiro ser chamado a ajudar. Vai
no primeiro dia, no segundo, no quinto e, no centésimo dia, ele
já é técnico de palco. Assim é a formação da maioria absoluta
dos técnicos de teatro. E tem quebrado o galho, porque senão o
teatro não andava. Bem ou mal, tem andado com esse tipo de conceito.
É lógico que a gente sente necessidade que isso mude e evolua.
Como? Com cursos, para reciclar esse pessoal. É muito difícil,
porque alguns deles não aceitam muito a idéia de reciclagem. A
maioria aceita e acha ótimo, porque sabe que é importante, mas
já tive algumas discussões desagradáveis. Acham que quem tem seu
empreguinho garantido aí nos teatros não vai perder seu lugar,
mas talvez tenha que reciclar daqui um tempo, porque os equipamentos
estão se modernizando. A iluminação, por exemplo, tem evoluído
com uma velocidade muito grande e se modificado muito. Sonoplastia?
Nem se fala! Os equipamentos de som sofrem uma mutação fantástica.
Na verdade, precisamos mesmo é de formação de técnicos, para que
você chegue em um teatro e não encontre mais nenhum daqueles que
vieram da vassoura ou da obra. No momento, não temos nenhum curso
aqui, mas para o futuro, estamos com um projeto de cursos de curta
duração, de 20 horas, para iluminação, cenotécnica e confecção
de cenário. Isso já inicia um processo e, se eles se sentirem
motivados, vão dar continuidade. Assim, é possível tirar o cara
da total ignorância sobre aquilo que vai executar.
NOMENCLATURAS - Hoje, a terminologia se
confunde muito. A gente teve, inclusive, encontros nacionais para
tentar dar uma nomenclatura correta nessa área. Só que o interessante
é que o Governo já vem com uma idéia pronta. Você diz que não
é, mas tem que aceitar, porque ele assim o quer. Coisa bem ditatorial,
ranso do Fernando Henrique Cardoso que foi ficando. Quer dizer,
ele é o inteligente, o competente e o resto tem que fazer o que
ele quer. A gente chama de cenotécnico aquele indivíduo que trabalha
no palco. Ele monta cenário e opera a maquinária e os equipamentos
do palco. Mas o cenotécnico se confunde com o cenarista, que é
o construtor de cenário - o cara que fabrica. Como este termo
já nem existe mais, ficou como cenotécnico quem também fabrica
o cenário. Isso não é o correto, mas vai ficar assim. Já o iluminador
é o homem que cria a luz e o eletricista o que monta essa iluminação.
Em determinados lugares, é chamado também de iluminador quem opera
e monta a luz que outro criou. E, enfim, o cenógrafo, que é aquele
que cria a cenografia. No meu caso, crio e construo o cenário.
Na maioria das criações, tenho um parceiro que está comigo há
muito anos. É o Paulo Viana. Eu faço uma criação mais técnica,
e ele, uma mais artística. Na verdade, construo boa parte dos
cenários de Belo Horizonte. Minha oficina é razoavelmente bem
montada, a gente é amigo de todo o mundo e trabalha tentando fazer
o melhor.
POLÍTICA CULTURAL - Nós estamos numa fase
que acho ser meio perigosa, em que essas leis de incentivo à cultura
deveriam sofrer uma mudança muito brusca. É uma opinião pessoal
e não sou profundo conhecedor do assunto. Mas o teatro mineiro,
que conheço mais de perto, tem vivido somente em cima dessa legislação.
Se não fossem essas leis, não sei para onde o teatro teria ido,
apesar do heroísmo do produtor mineiro. Ele é ator, diretor, autor
e ainda se confunde, tirando dinheiro do outro trabalho dele (pois
muitas vezes tem outra profissão, por não conseguir viver de teatro),
para pôr na produção. Assim, ele se mata. Esse é o real produtor
mineiro. Não é o executivo, que é um problema seríssimo em Minas
Gerais. Não temos quase ninguém profissional. É de um amadorismo
que faz medo. Agora, posso citar um monte de produtores no sentido
real da palavra: o Carlos Gradim e Yara de Novaes, o Wilson Oliveira,
Pedro Paulo Cava, Rogério Falabella, Fernando Gomes, Kaluh Araújo…
sei que estarei omitindo nomes, mas logo a gente pode identificar
diversas pessoas que estão aí, aos trancos e barrancos, fazendo
teatro e produzindo.
CENÁRIO, CENOTÉCNICA E SUAS DERIVAÇÕES -
Quando a gente entra em outras áreas, a coisa começa a complicar.
Trabalhar com shopping, por exemplo, é muito complicado. Não é
prazeroso. Pode até ser feito e dar mais dinheiro. Mas não é prazer
nenhum você entrar em um shopping, numa ditadura capitalista besta
que não me agrada nem um pouco, passar a noite ali trabalhando
e sair correndo pela manhã, quando o sol nasce, para agradar a
quem? Compradores e vendedores? Não é o meu prazer. O meu prazer
é fazer teatro.
RECADO - Acho que o povo de teatro em
Minas Gerais está de parabéns, porque não é fácil. Não é uma atividade
que vá juntar riqueza. O cara que se mete a fazer teatro em Minas,
sabe que vai ser luta a vida inteira. Então, digo ao público mineiro
que corra e assista teatro, porque ele está com uma produção farta
e de alta qualidade. O público está muito bem servido.
PALCO BH - É uma idéia genial. É muito
bom. A gente precisa realmente desse tipo de comunicação rápida.
Para mim, é uma fonte de informação permanente. A gente sabe tudo
que está acontecendo na área teatral em Minas Gerais."
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