Cenógrafo
e figurinista
"Sou de São Gonçalo do Sapucaí, no sul de Minas, cidade na qual
só chegava um trem, uma vez por dia. Não tinha jeito de sair de
lá de outra forma. Com a idade de 14 anos, eu já estava integrado
dentro do processo artístico, porque na minha cidade quem tem
um olho é rei. Esse olho eu tinha, o de ter uma sensibilidade
mais apurada nas artes plásticas.
Então, comecei fazendo a decoração de uma festa
de carnaval no clube local e, na hora H, não pude entrar na festa
por não ter idade suficiente. Como queria saber o que é que os
adultos faziam lá que eu não podia ver, fui para o telhado, no
forro do teatro, e passei praticamente a noite toda lá. Os meus
pais ficaram feito doidos me procurando e fui proibido de fazer
aquilo. Na minha vida escolar, havia periodicamente uma apresentação
de alunos no auditório e quem organizava eram as professoras.
Eu era chamado pelas professoras de todas as matérias para fazer
um número. Até que um dia, a diretora geral proibiu, porque teve
uma cena em que eu estava em todos os números. Vejo com isso,
que a gente já nasce com uma certa tendência para as coisas. O
que precisa é apurá-la. Fui crescendo, adquirindo maturidade e
procurando nortear a vida conforme meu pai havia me orientado.
Como o colégio só tinha o curso normal, vi que precisaria fazer
outro curso, o que me obrigou a estudar em uma cidade vizinha.
Lá me destaquei nas aulas de artes e desenho. Imediatamente, fui
convidado pelo professor para organizar uma exposição na cidade.
Depois, orientei a festa da catedral. Essas coisas vieram naturalmente
e ainda como adolescente. Com o correr da vida, você vai se apurando,
se identificando, estudando, pesquisando e aprimorando aqueles
dons, e acho que no meu caso foram natos. Em 1950, vim para Belo
Horizonte e, entre uma coisa e outra, fui conhecer o salão de
artes da Prefeitura e vi que queria fazer aquilo. Adorei aquele
negócio e, sem querer, penetrei nesse mundo das artes plásticas,
pintando daqui e ali, ganhando prêmios, participando de bienal,
salões, até que uma crítica de arte, a Maristela Tristão, chamou-me
para fazer um carnaval mais bonito e diferente para a cidade.
Foi feito um concurso e eu ganhei. Como tinham acabado de cortar
os ficus da avenida Afonso Pena, refiz as árvores, mas em alegorias
carnavalescas. Foi, então, a pedra fundamental que aconteceu comigo
em Belo Horizonte. Daí vieram outras atividades. Quando inauguraram
o Teatro A.M.I, o diretor me chamou para fazer um cenário. Foi
meu primeiro cenário em teatro, com a peça "Sereia de Prata",
no final da década de 50. Ganhei um prêmio, o que me abriu outro
campo: o das Artes Cênicas. Tanto é que fiz o primeiro cenário
do Palácio das Artes, em 1971, para sua inauguração. Era na verdade
uma espécie de tapação de resto de obras, para fazer aquela inauguração
solene. Como minha filha estudava balé, fiquei muito ligado ao
professor Carlos Leite e ele, sabendo que eu tinha me destacado
no meio cênico, convidou-me para fazer o cenário do balé "Noite
de Valpurdes". Aí fui atuando no meio da dança, junto às escolas.
Depois, fundaram a Apatedemg, o Sated e uma série de entidades.
Fui sendo solicitado para peças adultas, infantis e, no meu cabedal
de história, acho que já passei por todos os autores, diretores
e praticamente todos os atores da minha geração que existem aqui.
Na história da cidade, recebi título de cidadão honorário, por
ter contribuído para a beleza da cidade. É que fiz, na década
de 80, a decoração de BH e penetrei nos morros trabalhando com
as escolas de sambas: Canto da Alvorada, Cidade Jardim, enfim,
todas aquelas. É uma área que me é muito prazerosa. A beleza plástica,
como artista plástico, aliada à cenografia, que é mostrar o real,
através do irreal. Mostra uma verdade feita pela mentira. Isso
facilitou muito para os desfiles de escolas de samba. Foi uma
quantidade de prêmios que ganhei! Teve um ano que foram 36 prêmios
de uma vez só. Com isso, fiquei conhecido e divulgado como um
artista "multiuso", que faz teatro, está no museu e faz coisas
de rua também. Isso, quando o nosso carnaval estava no auge, sem
os devidos cortes políticos. Em 1989, houve uma grande enchente
no Arrudas, que serviu de motivo para acabar e enterrar definitivamente
o carnaval de Belo Horizonte. Não precisava ter acontecido mas
aconteceu. A partir daí, me dediquei mais ao teatro. Fiz "Inconfidentes"
no Palácio das Artes, "Despertar da Primavera", peças do Brecht,
peças no Francisco Nunes, aqui e acolá, mas sem deixar de lado
as artes plásticas. Em 2001, comemorei 50 anos de arte, com uma
exposição, em que fui pesquisar as raízes da cultura mineira.
Foi muito animada e festejada. Já o figurino entrou na minha vida
paralelamente aos outros trabalhos. Sempre me acompanhou. A fase
em que fiz mais figurinos, foi na própria escola de samba. As
vestimentas têm que ter uma adequação muito boa para satisfazer
quem vai usar, porque o ego fica terrível. Dou aula de História
da Moda na Escola de Belas Artes da UFMG e de Figurino Cênico
na Oficina de Teatro da Puc Minas, ou seja, este é mais específico.
No presente momento, estou com uma exposição no Pic, sobre os
trinta anos da revolução dos escravos portugueses. Há quatro meses,
fui convidado para fazer o figurino da ópera "Turandot", de Puccini,
que vai ser montada no Palácio das Artes no dia 17 de junho. Esse
convite foi um momento muito grato, porque senti que ali havia
um reconhecimento do meu trabalho anterior. Ao mesmo tempo, é
um trabalho dentro de um conceito diferente e de uma nova estrutura.
Sou mais cenográfico e trabalho com coisas mais visuais e rápidas.
A ópera exige uma permanência maior. Por isso, tive a preocupação:
será que vou dar conta? Mas acho que estou dando conta.
FORMAÇÃO DE UM CENÓGRAFO - É muito difícil.
Para o ator está mais fácil, porque ele tem diversos cursos. Quem
quer ser só cenógrafo, normalmente, não tem um curso específico.
Os cursos são feitos fora do Brasil. O que a gente faz aqui é
o curso de técnico cênico, dentro da categoria de profissão liberal.
Agora, o cenógrafo está além do técnico e exige um conhecimento
mais erudito. É preciso ter uma formação superior e uma bagagem
imensa de conhecimento. Existe no curso de Artes Cênicas uma cadeira
que dá uma noção de cenografia, mas o cenógrafo tem que entender
um pouco de arquitetura, de decoração e artes plásticas. Tem que
partir por esse caminho e encaixar todos esses conhecimentos.
São instrumentos inerentes a determinado tipo de profissão e são
esses indivíduos que têm habilitação para entrar nesse campo.
Ainda não temos aquela relação que vai para o Ministério do Trabalho,
para profissionalização. O ator e o técnico cênico possuem esse
registro, mas o cenógrafo não. Já o figurinista tem curso de moda
e estilismo, apesar de não ter nada a ver com figurino cênico.
Tem-se o hábito de falar que todo diretor de teatro é figurinista
ou cenógrafo e, na realidade, não são, porque eles podem imaginar
a cena, mas não a sua materialização.
TEATRO MINEIRO - A minha percepção é
que tudo mudou demais, das décadas passadas para agora. Hoje,
temos uma maior quantidade de palcos, de atores formados e conhecedores
do assunto, que estão até lecionando em vários colégios daqui
e do interior, além de cerca de cinco escolas especializadas.
Então, essa gente toda precisa de trabalho. O ator que tem a vocação
mesmo, precisa se aperfeiçoar e se ele não está em cena, fica
apagado. Morre. Sinto que houve uma mudança fantástica. Agora,
quanto à filosofia da forma de apresentação, há uma variação,
conforme vão surgindo novos conceitos. Por exemplo, na época da
ditadura, a linguagem era mais velada por causa da censura. Hoje,
as coisas estão mais soltas. Mesmo assim, acho que ainda tem muitos
caminhos a percorrer, porque o teatro é muito importante culturalmente,
não só para quem faz, mas para quem assiste. Temos muitos atores,
cenógrafos, figurinistas e técnicos maravilhosos. Só acho que
o teatro deveria sair do chamado hipercentro e acontecer um pouco
mais na periferia. É uma aspiração de todos, porque dá mais oportunidade
de formação de novos públicos. Belo Horizonte, em pouco tempo,
explodiu demograficamente. Aí foram surgindo os outros bairros
fora da avenida do Contorno. Foram construindo, crescendo e hoje
têm de tudo: shopping, supermercado, banco etc. Só falta teatro.
Alguns shoppings têm até cinema, mas não têm teatro.
PALCO BH - Acho fantástico, porque é um
veículo condutor de novas formações de público, o que o teatro
precisa."
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