Diretor e Ator
"Cheguei em Belo Horizonte em 1950 e vinha de São João Del Rey
para fazer o vestibular de medicina. Já trazia comigo uma tradição
teatral muito grande. Primeiro por ser de São João Del Rey, que
é uma cidade ritualística, onde as festas religiosas são um verdadeiro
teatro. Mas também porque no Colégio Santo Antônio, onde estudei,
existia uma atividade teatral permanente. Então, já cheguei a
BH com a semente do teatro plantada dentro de mim. Obviamente,
minha primeira preocupação foi procurar as pessoas que faziam
teatro na cidade, e não eram muitas. Mas, de imediato, me entrosei
com pessoas como Carlos Kroeber, João Marschner e Ítalo Mudado,
que eram muito interessadas no desenvolvimento de um teatro que
estava por se fazer naquela ocasião em BH. A partir daí, nós passamos
para a grande batalha da criação de um curso para atores, que
acabou resultando no Teatro Universitário, em 1956, depois de
algumas tentativas frustradas. A partir desse ano, nós já tínhamos
um grupo, o Teatro Experimental, que começou de uma maneira muito
modesta, mas que em 1959 ganhou uma personalidade jurídica e já
era um grupo constituído oficialmente, construindo a partir daí
nossa trajetória, juntamente com o Teatro Universitário, até quando
foi possível. A primeira grande produção do T.U. e um dos grandes
espetáculos de Minas Gerais foi "O Crime na Catedral". Depois,
o Teatro Experimental caminhou com suas próprias pernas, durando
até 1973. Estávamos muito interessados na vanguarda européia e
começamos a encenar todos seus autores, dentre eles, a primeira
montagem de Beckett no Brasil, em 59, com "Fim de Jogo". Sucesso
de público não tínhamos, mas conquistamos outra coisa importante
que era o respeito. Da crítica e do público também, porque o sujeito
tinha medo de ser chamado de ignorante se não gostasse. Na verdade,
tenho a impressão de que nem nós mesmos entendíamos bem o que
é que estávamos fazendo. Tínhamos pouca competência, amadurecimento
e estudo necessários para entender exatamente de que estávamos
falando, que autores eram aqueles e onde estávamos pisando. Mas
foi uma fase interessante, muito bonita e que nos deu um forte
embasamento. Em 1974, o Teatro Experimental se transformou em
uma outra entidade chamada O Grupo, que foi até 1989, quando em
1990 criamos a Casa de Cultura Oswaldo França Júnior, existente
até hoje.
TEATRO - Há momentos em que o teatro caminha para um tipo
tão pragmático de repertório, tão objetivo no seu sentido comercial,
que o gosto do público acaba se transformando em uma coisa meio
uniforme. O público de teatro está muito interessado no divertimento
pelo divertimento. É por essa razão que estamos vendo tantas comédias
comerciais não só aqui, mas em outros centros. No eixo Rio-São
Paulo sempre vai se encontrar alternativas diferenciadas, pois
em centros de densidade populacional muito maior tem público para
tudo. Em BH, não temos uma população que forme um público de teatro
assim tão permanente. Ainda estamos em uma fase de semi-profissionalismo,
evidentemente, com exceções. Hoje, já tem gente vivendo só de
teatro, mas também a um preço alto. Não faz o que quer, nem o
que gosta. É preciso fazer o que o público gosta e, por essa razão,
é que se vê uma disseminação muito grande de um repertório muito
digestivo e fácil. Mas ainda podemos contar com alguns grupos
que continuam sua experimentação de linguagem cênica, quase sempre
com pouco sucesso. Mas o que escreve a história do teatro é o
que o transforma. Só o sucesso não resolve. É um registro, óbvio.
Mas não escreve a história do teatro. A história é contada por
experiências, pelas transformações, polêmicas e espetáculos inusitados,
podendo também fazer sucesso. Porém, temos que dar crédito a ambos
os teatros feitos, porque o comercial também é uma necessidade
e a diversão é uma grande regra do teatro.
ESCOLA - Sempre acreditei que um ator precisa ter escola,
pois é o caminho mais curto entre um objetivo e a maneira de alcançá-lo.
É a técnica. Não quer dizer que um ator que não tenha escola não
possa chegar a um amadurecimento. Mas poderia encurtar o tempo.
Não acredito que uma escola vá formar um grande ator. Mas antes
de qualquer coisa, dá a ele algo fundamental na arte em geral:
disciplina. Depois, um certo grau de cultura e uma noção ética
da sua profissão. Isso ele aprende na escola. As escolas de curta
duração não têm a pretensão de formar o ator, mas dão um nível
de informação que o permite, se quiser aprofundar-se, procurar
cursos profissionalizantes e continuar seus estudos. O que acho
estranho, é que quem trabalha e conhece o teatro há muito tempo
sabe que é uma profissão ingrata, instável, difícil e, no entanto,
nunca vi tanta gente interessada. Talvez seja porque é uma cachaça.
Mordida pela mosca, não há como fugir.
PROJETOS - Parei um tempo para refletir um pouco sobre
o que aconteceu, o que fiz e o que o teatro mineiro fez, para
poder registrar tudo em um livro que pretendo lançar, talvez,
no ano que vem. Paralelamente, vou fazer em dezembro uma exposição
da trajetória destes três grupos fundamentais em que estive à
frente: o Teatro Experimental, O Grupo e a Casa de Cultura.
RECADO - Que gente de teatro continue. Continue na perseverânça,
no estoicismo e na vontade, porque trabalhar com cultura em qualquer
setor, de qualquer maneira, é difícil. Mas é exatamente essa dificuldade
que faz ser cada vez mais gratificante lutar pelo teatro e pela
cultura."
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