Diretor
e autor
"Comecei a fazer teatro antes de 1960, no Rio de Janeiro,
quando cursava o científico. Havia o jornalzinho de teatro do
colégio e eu era o redator chefe. A gente inventou de fazer um
teatrinho e foi aí que comecei. Foi fundamental para definir o
que é que eu queria na vida. Depois, entrei para a Faculdade de
Filosofia, mas nem cheguei a frequentar um ano inteiro.
Tranquei a matrícula e entrei na Fundação Brasileira
de Teatro, que era uma escola criada pela grande atriz e comediante
do passado, a Dulcina Morais. Fiz lá o curso de ator e direção.
Aí, caí na minha. Fundei, inicialmente, um grupo amador chamado
Os Duendes, que trabalhava na periferia do Rio. Depois da invasão
do teatro, feita pelo Governo do Lacerda, a pretexto de que nós
éramos comunistas, fomos para o Centro Popular de Cultura (CPC)
da UNE. Lá, dirigi a sessão de teatro de rua até se extinguir,
no dia do Golpe, em 1º de abril de 1964, que faço questão de frisar.
A sede da UNE foi incendiada. Meses depois fundamos o Grupo Opinião,
que teve uma trajetória longa, de 1964 a 1980. Com a sua extinção,
comecei a andar pelo Brasil, até que, em 1984, fui parar no Acre,
onde fiquei por quase 10 anos. Lá fundei o Grupo Poronga, com
quem fiz vários trabalhos. Escrevi três peças, que chamo de trilogia
acriana: "Caderno de Acontecimentos", "Tributo a Chico Mendes"
e "Yuraiá". Essa última escrevi quando entrei em contato com um
grupo da nação indígena Kaxinawá. Fiz uma oficina com eles e me
convidaram para habitar a aldeia. Não podia ir, porque isso significava
ficar pelo menos três meses sem ganhar nada, tendo família, essas
coisas. Mas consegui fazer um projeto para as Bolsas Vitae e ganhei.
Patrocinaram a minha pesquisa por um ano e fiquei lá por quatro
meses, o que resultou nessa peça que, aliás, é a última que escrevi
e estou tentando montá-la neste ano. Em 1991, a Berenice Menegalle
me convidou para dar um curso em BH, de um ano, na região do Planalto,
no Parque Lagoa do Nado, porque lá havia muitos grupos de teatro
e uma grande inquietação. Ela já conhecia o meu trabalho e achou
que o motivo da minha inquietação se casava com o da Lagoa do
Nado. E teve razão. O trabalho que fizemos foi muito bem sucedido
e terminamos o curso com a encenação do "Primeiras Estórias",
do Guimarães Rosa. O resultado de todo o trabalho levou até à
preservação daquele Parque, através de atividades artísticas.
Aí, fui convidado a fazer essa encenação com os formandos da Universidade
de Campinas, em 1994, e teve a mesma repercussão. Até a trouxemos
aqui para o FIT-BH. Em 1998, montei, com os formandos do Teatro
Universitário (TU), "Troços e Destroços", inaugurando o Centro
de Cultura Belo Horizonte, para o centenário da cidade e, em 2001,
fizemos "Pedro Páramo", no túnel Capitão Eduardo, com os formandos
da Fundação Clóvis Salgado. Como sempre fui ligado à música, também
dirijo muitos shows e, como se não bastasse, casei-me com uma
cantora (a Titane). Dirijo todos os shows dela e de vários outros
cantores. Também sou muito ligado a grupos de teatro. O Trama
é um grupo que saiu do Lagoa do Nado e o espetáculo deles, "O
Homem da Cabeça de Papelão", é uma adaptação minha do texto do
João do Rio e que ainda viaja por todo o Brasil. Passei muito
tempo, entre 1977 e 1979, na Alemanha, convidado a trabalhar no
Setor de Peças Radifônicas da Wesdeutscher Rundfunk. Ano passado
mesmo, estive de novo em Campinas, com o grupo que trabalhou comigo,
e fizemos a adaptação da "Orquestra da Fome", do Kafka, com a
inserção, dentro do espetáculo, de uma peça radiofônica, para
um festival na Alemanha. Também escrevo para crianças e, inclusive,
vai ser relançado agora "A Lenda do Vale da Lua", pela Editora
Dimensão. Enfim, por causa disso tudo ou talvez porque eu seja
um rapaz simpático, a ZAP 18, o Grupo Trama e o Movimento Teatro
de Grupo resolveram prestar uma homenagem a mim, em comemoração
aos meus 70 anos. Não sei se é porque quando a gente faz essa
idade todo mundo fica pensando que a gente vai morrer… (risos).
Enfim, sou convidado para muitas coisas no Brasil inteiro. Recentemente,
dirigi uns módulos com Sebastião Tapajós, Titane e Tambolelê para
o Projeto Pixinguinha, que voltou depois de sete anos.
OS CAMINHOS DO TEATRO - Eu sei lá do caminho
do teatro? Sei do meu caminho no teatro. Os caminhos do teatro
são muitos. O teatro hoje é muito mais rico em relação à diversificação
e às possibilidades que existiam no passado, sobretudo, de se
fazer teatro no palco. Havia, no máximo, no final da década de
1950, o teatro de arena, que era uma novidade e uma revolução.
Mas hoje não. No meu caso particular, há muitos anos que vem sendo
muito difícil eu trabalhar em palco tradicional. Trabalho em espaços
urbanos. É uma discussão muito rica porque, ao trabalhar com espaços
urbanos diferenciados, você o redimensiona para a população. Por
exemplo, no Brasil, de uma forma geral, existe uma série de preconceitos
contra a preservação de bens imóveis históricos. Boa parte da
população acha que isso tudo é uma bobagem. Não compreendem. Quando
você trabalha em um espaço desses, com um acontecimento artístico,
principalmente teatral, que é uma atividade coletiva e envolve
a comunidade, você redimensiona para as pessoas o sentido desse
espaço e sua história. Por exemplo, fazendo um espetáculo dentro
do Carandiru, você pega esse espaço e o redime da função terrível
que ele teve no passado. Mostra que ele pode ser ocupado de outra
maneira, com valores humanitários, muito maiores do que eram destinados
a ele antigamente. Nós montamos o "Pedro Páramo" no túnel Capitão
Eduardo, que é túnel de passagem. Havia os espectadores, os atores
e as pessoas que passavam e se viam dentro do espetáculo. Outras
paravam para assistir e depois vinham conversar comigo, emocionadas,
porque nunca tinham visto teatro. Então, você leva a manifestação
artística muito próxima das pessoas e faz com que elas repensem
onde estão e porque estão. Essa releitura dos espaços urbanos
é muito importante. Dá uma contribuição fundamental, porque se
mistura às pessoas e resgata uma forma de teatro muito antiga
das cidades gregas e medievais. Ninguém está inventando a roda.
Só que está se fazendo de forma diferenciada e com outro sentido.
Em relação ao Parque Lagoa do Nado, existia uma história rica
ali, mas que a cidade como um todo não conhecia. Belo Horizonte
passou a conhecer o Lagoa do Nado, em sua história e importância,
a partir do "Primeiras Estórias". Em Campinas, na Pedreira , onde
fiz um dos últimos espetáculos para a Universidade, existe um
parque bonito, onde as pessoas ficam, mas que as instalações elétricas
eram um perigo de vida. Ao fazermos o espetáculo lá, a Universidade
de Campinas junto com a Prefeitura consertaram tudo. A nossa função
não é essa, mas até isso pode acontecer paralelamente. Sem contar
que é sempre instigante montar uma peça, escolher um espaço e
adaptar aquilo que era para palco, para outro espaço e outra relação
palco-platéia.
POLÍTICA CULTURAL - As leis de incentivo
à cultura são uma "faca de dois legumes", como dizia o Vicente
Mateus. Foi até mesmo uma das únicas maneiras desses grupos econômicos
se tocarem que a cultura é uma atividade que lhes rendem dividendos
e, portanto, interessa, e muito, a eles. Não é só o esporte e
a grande mídia que podem fazer isso. Então, acabou por obrigar
esses empresários a participar e dar o seu quinhão que, na verdade,
quem dá é o poder público pelo perdão dos impostos. Mas, de qualquer
maneira, é o modo de fazer com que se sensibilizem em relação
à cultura. Por outro lado, os governos em geral lavam as mãos
e acham que não devem fazer mais nada pela cultura e pela atividade
artística e continuam nessa confusão brutal entre o que é atividade
cultural e artística e entretenimento. Em princípio, não tenho
nada contra o entretenimento de massa, mas em particular tenho.
É lazer, negativamente massificante, e que todos os governos entram
nessa de confundir com a atividade cultural (que não se vende,
se transmite). Cada governo precisa transmitir a cultura de seu
povo. Há muitas coisas positivas sendo feitas, mas há uma herança
negativa que continua existindo e sendo referendada, o que é muito
ruim. É um processo. Acho que a gente não tem que brigar e ficar
reclamando. Temos que fazer as coisas e mostrar que existe demanda.
O público do Projeto Pixinguinha, por exemplo, é famoso no Brasil
inteiro. Os teatros e espaços ficam todos super lotados. Isso
demonstra que existe uma demanda de público ávido a conhecer outra
faceta da música popular brasileira que não é essa que está sendo
massificada pelos meios de comunicação de massa. Em Belo Horizonte,
existem grupos maravilhosos que fazem um trabalho fantástico,
não só na área de teatro. Uma grande parte das pessoas, que é
atraída pela mídia, querem ser artistas, o que é natural, porque
é um espaço de exposição e é a possiblidade delas consumirem muito.
Estamos mergulhados em mundo consumista e a cabeça das pessoas
só pensa nisso. 'Nêgo' não tem onde cair morto, mas tem seu celular,
sua antena de televisão, tênis da última moda e não tem comida
em casa. E não estou falando das camadas mais pobres. Consomem,
mas não fazem as coisas que são necessárias para elas mesmas.
Temos grupos maravilhosos espalhados pelo mundo inteiro, mas,
porque não estão na mídia, parece que não existem. A mídia faz
questão de passar que quem não está nela não existe. O ruim desse
negócio é que os governos, de modo geral, acham que isso é que
é o essencial. Claro, para a publicidade deles, mas não para a
população. É o Governo que tem que fazer. Não pode esperar as
entidades particulares, que têm interesses mais imediatos. O poder
público deve ter interesses a longo prazo. Mas para fazer, a gente
tem que pressionar e não ficar somente na posição de reclamadores.
A dona Celina Albano (Secretária Municipal de Cultura) é um desastre.
Essa moça não tem nada a ver com cultura, mas acho que a categoria
tem que se mobilizar e mostrar que ela é um desastre.
FORMAÇÃO DO ARTISTA - As escolas podem
fazer bem, como podem fazer mal. Não existe artista sem prática.
Para citar um exemplo clássico de um artista acima de qualquer
questionamento, veja o Zé Coco do Riachão. Um analfabeto, mas
de uma cultura fantástica, que dominava inteiramente o seu universo.
Praticou o seu ofício desde menino e, quando apareceu, não foi
do nada. Teve uma formação rigorosa a vida inteira. No caso dos
atores também. É claro que a atividade artística se faz na prática.
Mas não tem como se desprezar elementos teóricos, porque a teoria
nasce da prática. Não há como se falar do teatro grego ou brasileiro
antes deles existirem. A prática vem antes e é fundamental e indispensável.
A teoria é fundamental, mas não é indispensável ao fazer artístico
e sim para o pensamento.
MISSÃO DO ARTISTA - A missão do artista
é ser artista. É trabalhar diariamente o seu ofício, cumprí-lo
com o maior amor, rigor e criar grandes obras de arte, que lhes
sejam extremamente necessárias, sem as quais ele não conseguiria
existir. O resto é conseqüência. É claro que cada artista tem
a sua tendência. Pode se voltar para problemas estritamente existenciais,
sociais etc. Nenhum é superior ao outro. Superior, na verdade,
é a qualidade da arte que se está realizando.
RECADO - Parabéns por terem vindo me entrevistar.
Querem um cafezinho?
PALCO BH - Isso faz falta em todas as
cidades. Coitada da cidade que não tem um negócio como esse. É
gratuito, passa o máximo de informações possíveis e de maneira
sucinta. É claro que tudo pode ser melhor ainda, mas vocês caminham
para isso com toda a certeza."
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